Reza Cantada
Por tradição, as festas de santo na baixada cuiabana são embaladas por músicas tradicionais, como o cururu e o siriri. Os mestres cururueiros fazem os rituais de veneração dos santos antes, durante e após o levantamento dos mastros com bandeira e imagem do santo venerado. São eles que fazem as rezas cantadas, conduzindo os fiéis, em seguida, a uma procissão em torno dos mastros, abrindo os festejos, que em geral duram três dias. As festas seguem os rituais tradicionais, mantendo um vínculo com as memórias das festas antigas e que se reproduzem no espaço urbano. Os grupos de cururueiros, convidados especiais das festas, são os responsáveis por uma sonorização da qual são guardiões. Recebem tratamento de convidados e comandam os rituais de veneração nas rezas cantadas.Nas festas realizadas como pagamento de promessas em geral, a comida é oferecida gratuitamente aos festejadores, motivo pelo qual os festeiros fazem pré-festas (almoços e jantares) para recolher fundos para a festa maior. Bebidas tradicionais (licores de leite e de frutas do cerrado) são oferecidas em festas nas quais os festeiros ainda mantêm laços com produtores de bebidas artesanais que atuam no comércio informal. Após o jantar, o festeiro convoca os cururueiros para tomarem posição, em círculo, diante do altar, cuja arrumação dentro das casas, ou nos quintais, é uma das obrigações do festeiro. Quem está do lado direito do altar inicia a função, e cada cururueiro vai cantar saudando o santo, o próprio altar e o dono da casa. Em seguida, sempre cantando, eles chamam os devotos formando assim a procissão, o alferes de bandeira e o capitão, que convidam todo o reinado para acender as velas, base da iluminação. O próximo passo é a cantoria para que cada membro do reinado pegue sua obrigação. Cada um dos personagens do reinado relacionase a um objeto em particular: o rei, à imagem do santo padroeiro celebrado na festa. A rainha, à vela consagrada. O alferes, à bandeira. O capitão-do-mastro, ao mastro e/ou à coroa. Os juízes e as juízas, aos ramos. Essas obrigações, imagens, insígnias e objetos sagrados vão variar dependendo do padroeiro homenageado. Assim, cantando e versejando, os cururueiros vão orientando o reinado a pegar o santo padroeiro que está no altar, a bandeira, a coroa e as demais imagens. Formada a procissão, começa a chamada para que todos se encaminhem ao batente ou portão. Canta-se então para puxar a procissão até o batente, o que é feito em ritmo lento, com paradas a cada cinco passos dados. Para passar pelo batente, é preciso que cada cururueiro benza o corpo a fim de poder puxar a procissão. Em seguida, eles cantam para pular o batente, seguidos do reinado. Em seguida o rei é chamado para encaixar o cruzeiro no final do mastro. Antes de se erguer o mastro, é preciso que os cururueiros cantem para que a procissão beije o padroeiro e a bandeira. Chega o ponto culminante do ritual, que é o levantamento do mastro, quase sempre em frente à casa do festeiro, para o que é fundamental a presença dos cururueiros. Ao som de suas trovas, o mastro é então fincado na sepultura de Adão, um buraco assim chamado porque nele brotou o ramo de oliveira. Em algumas festas, primeiramente suspende-se o mastro; em outras, reza-se para depois suspendê-lo, a fim de que a bandeira também pegue a oração. Uma vez erguido o mastro, cantase para o capitão colocar terra em sua base, onde também se acendem três velas, que representam a Santíssima Trindade. Fixado o mastro, a procissão dá três voltas em torno dele, no sentido horário, tendo à frente os cururueiros. Toma rumo, então, de volta ao altar, da mesma maneira como veio: fazendo uma parada a cada cinco passos. Depois de todos passarem pelo batente da casa, os cururueiros cantam para serem assentados todos os santos e imagens presentes Finalmente despacha-se a procissão, e os cururueiros entoam trovas de agradecimento ao dono da festa. Terminada essa etapa, os capelães, de pé ou sentados à mesa, puxam as rezas, que são respondidas pelas mulheres. As rezas têm sempre relação com o santo homenageado especificamente naquela ocasião, sendo que, dependendo da localidade, elas podem ocorrer antes ou depois do cururu. Essas rezas e ladainhas, normalmente aprendidas pelos devotos junto aos pais, podem durar mais de uma hora. Finalizada essa parte, os cururueiros cantam para arrodear a função e podem seguir nessa roda de cantoria de cururu até o dia amanhecer. Tanto o cururu quanto o siriri fazem parte do calendário anual de festividades das localidades identificadas. Normalmente os cururueiros estão ligados a um grupo e/ou irmandade que promovem as festas nos dias consagrados aos santos padroeiros, reunindo os recursos necessários. Algumas das principais festas de cururu realizadas hoje nos grandes centros urbanos contam, também, com a ajuda e a colaboração de autoridades e pessoas ilustres. Já nas cidades do interior, a maior parte dos recursos é obtida ainda somente junto à família do festeiro. Seguindo o calendário católico, as festas concentram-se, principalmente, nos períodos dos festejos juninos, entre junho e agosto, sendo retomadas no ciclo de final de ano, de dezembro a janeiro.